Arthur da Silva Bernardes - Um Estadista da República
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As pessoas privilegiadas marcam de modo imperecível sua jornada neste mundo.
Para compreender a história de vida do Presidente Bernardes é necessário situá-la no contexto socioeconômico-cultural em que ele viveu. Os fatos históricos não têm sentido se analisados isoladamente ou por parâmetros estranhos à época em que aconteceram.
Arthur Bernardes construiu sua trajetória como homem público em circunstâncias históricas específicas. Sua vida, atitudes e comportamentos aconteceram no contexto da República Velha, no declinar de velhos valores e no emergir de novas idéias.
Ele caminhou à frente de seu tempo e de suas circunstâncias, qualidades essas que definem os grandes estadistas – o descortínio do futuro e a visão que ultrapassa sua época. Os grandes estadistas fazem história antes que ela aconteça.
Um dos rasgos de antevisão clara do futuro deu-se para Bernardes quando ele, como Presidente do Estado, fundou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), lançando as bases para solução do angustiante problema da agricultura mineira na época, fruto da imprevidência e do uso das práticas de rotina, que danificam os solos, levando, com enxurradas, sua fertilidade.
Na qualidade de Presidente do Estado, e tendo como seu Secretário da Agricultura o Dr. Clodomiro Augusto de Oliveira, iniciou o processo de criação da ESAV pela assinatura da Lei n o 761, de 6 de setembro de 1920, que autorizava o Governo do Estado a criar uma Escola Superior de Agricultura e Veterinária, situando-a no local que melhores condições apresentasse para seu funcionamento.
De acordo com a Lei n o 761, o Vice-Presidente em exercício, Dr. Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, criou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, pelo Decreto n o 6.053, de 30 de março de 1922.
A Lei determinou, claramente, em seu artigo 4 o , o espírito que deveria nortear a Instituição: “Esta Escola terá por objectivo ministrar o ensino pratico e theorico da Agricultura e Veterinária e bem assim realizar estudos experi-mentaes, que concorram para o desenvolvimento de taes sciencias no Estado de Minas Geraes”.
A visão do grande estadista plantara as sementes que se desenvolveriam, transformando-se em frondosas árvores no futuro.
Nascido em 8 de agosto de 1875, na cidade de Viçosa, Minas Gerais, Bernardes teve educação familiar rígida, baseada numa hierarquia de valores em que a honestidade e princípios morais e religiosos firmes solidificaram os alicerces de seus estudos no tradicional Colégio do Caraça e em Ouro Preto.
Arthur Bernardes era o quarto filho de Antônio da Silva Bernardes, português, natural de Castanheira da Pera, e de Dona Maria Aniceta Pinto Bernardes.
Em 1900, recebeu o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo.
De volta à terra natal, em 1905, foi jornalista, redator e diretor do jornal “A Cidade de Viçosa”.
Casou-se, em 15 de julho de 1903, com Clélia Vaz de Mello, companheira leal e amiga de todas as horas de sua atribulada vida de político, numa fase em que já se prenunciavam fortes mudanças nas estruturas socioculturais e políticas do País, que se consubstanciaram com o final da República Velha.
Sucessor do Senador Carlos Vaz de Mello, na chefia da política municipal e no Partido Republicano Mineiro, Bernardes percorreu toda a estrada do poder político, de vereador a presidente da República, sem deixar que o poder o corrompesse.
Vereador, deputado várias vezes para as Câmaras Estadual e Federal, senador da República e secretário das Finanças de Minas no Governo de Júlio Bueno Brandão, no dia 7 de setembro de 1918, Arthur Bernardes tomou posse, em Belo Horizonte , no cargo de Presidente de Minas Gerais, realizando inúmeros empreendimentos e deixando a si tuação financeira do Estado em franca prosperidade.
Foi eleito Presidente da República em 1 o de março e empossado no dia 15 de novembro, para exercer o oitavo quadriênio presidencial (1922/1926). Galgou a presidência em um dos momentos mais difíceis e conturbados do País, pontilhado de revoluções e de outros fatos que o obrigaram a governar grande parte do seu período recorrendo ao expediente de exceção do “Estado de Sítio”. Já no dia 5 de julho de 1922, eclodira a revolta militar de Copacabana, de cujos acontecimentos Bernardes não tivera nenhuma responsabilidade.
A disputa pela sucessão de Epitácio Pessoa, em meio à grave crise política, marcaria o início de novas crises que abalariam o País. Nessa ocasião, Bernardes foi vítima da mais violenta e odiosa campanha, reconhecida pelo próprio candidato oposicionista Nilo Peçanha, que culminou com o triste episódio das “Cartas Falsas”, nas quais, em correspondência dirigida a seu amigo Raul Soares, que fora Ministro da Marinha de Epitácio Pessoa, publicadas no jornal “Correio da Manhã”, teria ofendido o Exército e o outro candidato.
Arthur Bernardes enfrentou a crise, altivo e dignamente, e dizia sem cessar que as cartas eram falsas. Na agitação do momento, entretanto, ninguém o ouvia. A maternidade da falsificação só se patenteou tempos depois, e custou muito sofrimento ao Presidente e à sua família. Comprovada a grosseira falsificação, o episódio perde importância e toma a dimensão necessária para caracterizar a audácia de seus inimigos políticos.
Apesar das dificuldades políticas e financeiras enfrentadas, o Governo Bernardes apresentou grande saldo positivo de realizações, tais como incentivo à produção, aproximação da indústria e do comércio, proteção à propriedade industrial, inauguração de ferrovias, pontes, porto naval e Serviço de Radiotelegrafia do Exército, entre outras.
A proteção aos menores desamparados, com a criação dos patronatos agrícolas e a criação de escolas de vários níveis em diferentes partes do País, bem como a reforma do ensino e trabalhos realizados na área da saúde pública, marcam outra face do Governo Bernardes. Nela, o Presidente previu, claramente, que a educação é a base da cidadania e é essencial à formação e sedimentação de valores humanos e democráticos, consolidando, com extraordinária antecedência, uma política educacional realista e promissora.
Merecedora de registro especial foi sua atuação no campo das finanças e da economia, fruto de sua extraordinária cultura e experiência como Secretário das Finanças do Governo Júlio Bueno Brandão e como Presidente do Estado de Minas.
Ao assumir a Presidência da República, era angustiosa a situação financeira e econômica em que se debatia o País. A taxa de câmbio que havia caído a 4, graças à enérgica e segura direção do Presidente, voltou vitoriosamente a 7.
Também digna de registro, porque produziu resultados frutuosos, foi sua atuação para atrair recursos britânicos, que asseguraram a organização da Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná.
Essa Companhia promoveu rápido desenvolvimento da região de terras virgens que, com o tempo, deram origem a cidades como Londrina, Maringá, Arapongas, Apucarana e várias outras.
De formação democrática sólida, Bernardes foi sempre um opositor a ditaduras. Em 1930, na agonia da República Velha e dos valores autoritários que a caracterizavam, participou da revolução que sinalizava novas propostas para o País, apoiando a Aliança Liberal, que conduziu Getúlio Vargas ao poder.
Contudo, a demora da convocação da Assembléia Nacional Constituinte para a elaboração da Constituição do País, com vistas no término dos desmandos do governo provisório, encheu de preocupação grande parte da população que apostara na eleição de Getúlio Vargas.
O poder concentrara-se, novamente, em poucas mãos, e acreditava-se que os ideais da Revolução de 30 tinham sido traídos.
Em São Paulo , foi desencadeada, então, a Revolução Constitucionalista de 1932, e Bernardes, coerente com seus princípios, ficou com São Paulo, decisão essa expressa em Manifesto lançado em Viçosa, no dia 8 de agosto. Opção corajosa e honesta, levou-o à prisão e ao exílio em Lisboa. De lá retornou no dia 12 de agosto de 1934, para assumir a presidência do Partido Republicano Mineiro. Os Constitucionalistas de 32, vencidos pelas armas, foram, com a nova Constituição Brasileira, os grandes vitoriosos de 1934 e, entre eles, destacava-se Bernardes.
Sua chegada de volta foi consagradora. Foi alvo de diversas homenagens por parte de homens públicos e de diversos jornais do País. Faltando apenas 53 dias para as eleições, Bernardes organizou as forças oposicionistas ao Governo Getúlio Vargas e foi o deputado mais votado no pleito, com 38.025 votos.
Político nacional, Bernardes jamais perdeu de vista sua terra, sua região, seu estado natal. Por outro lado, seu profundo amor ao Brasil fazia-o agir, muitas ve zes, contra poderes constituídos, levando-o a atitudes incompreensíveis para a época, ditadas pelo seu acerbado nacionalismo.
Por essa razão, recusou assinar o acordo proposto a Epitácio Pessoa por Percival Faguhar, para que a Companhia Inglesa Itabira Iron Ore explorasse o ferro brasileiro, em condições desvantajosas para o País, posição que, na época, não obteve o consenso da opinião pública, como sempre acontece nos grandes momentos decisórios da vida política.
Nessa mesma linha, em 1953, como deputado federal, Bernardes participou intensamente de campanhas de caráter nacionalista. Assumiu papel de liderança na campanha do petróleo e viu seu ponto de vista vitorioso com a criação da PETROBRAS, pela Lei n o 2.004, de 2 de outubro de 1953.
Foi, também, importante a preocupação e participação de Bernardes no episódio relativo à chamada “Hiléia Amazônica”, lutando contra o projeto de criação de um órgão internacional na Amazônia: o Instituto da Hiléia Amazônica, preconizada por segmentos da política nacional e internacional.
O nacionalismo de Bernardes ainda está presente no contexto do País e suas idéias continuam atuais. A atualidade de Bernardes é verdade incontestável nas lutas pela soberania e cidadania comuns na presente conjuntura socioeconômica e política do Brasil.
Em 23 de março de 1955, faleceu no Rio de Janeiro, entre familiares e amigos, o Presidente Bernardes. Pouco tempo mais tarde, foi encontrado, na gaveta de sua escrivaninha, um pequeno texto com as seguintes palavras: “O fim do homem é Deus, para o qual devemos preferente-mente viver. Eu, porém, vivi mais para a Pátria, esquecendo-me Dele. A Ele devemos contas do que aqui fizemos de nossa vida e eu a tive longa. Receoso de não poder resgatar minha falta no pouco tempo que me resta, apesar de sua infinita misericórdia, peço aos meus amigos, correligionários e brasileiros de boa vontade que me ajudem a supri-la com sua prece.”
Maria do Carmo Tafuri Paniago
A Universidade Federal de Viçosa no Século XX.
Pág.49-52. 2006. Ed. UFV
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