Arthur da Silva Bernardes |
Nascido em Viçosa, a oito de agosto de 1875, Arthur da Silva Bernardes tinha de seus pais – Antônio da Silva Bernardes e Maria Aniceta Ribeiro do Vale Bernardes – apoio suficiente para lhe garantir sólida educação. Depois de ter conhecido a severa disciplina do Caraça e estudado em Ouro Preto , bacharelou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo, no ano de 1900. O Jovem advogado, de volta à terra natal, não sabia que, ao iniciar sua vida profissional, chamaria para si um pioneirismo histórico, iniciado na Câmara Municipal de Viçosa e consagrado na Presidência da República.
Casa-se com Cléia Vaz de Mello, a 15 de julho de 1903. Através do casamento, torna-se herdeiro político do sogro, Carlos Vaz de Mello, várias vezes deputado-geral do Império e principal chefe político de Viçosa.
Substituindo o sogro na chefia da política municipal, elege-se vereador pelo antigo Partido Republicano Mineiro (PRM), logo presidente da Câmara. Exerce, também, as funções de Agente Executivo, partindo, dessa época, para a jornada luminosa que o levaria ao Palácio do Catete.
Dotado de grande disciplina pessoal, obstinado na dedicação ao trabalho, inteligente e bem informado, foi eleito deputado estadual e federal. Em 1910, o presidente de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão, entregou-lhe as altas funções de Secretário das Finanças, cargo que exerceu durante todo o quatriênio, retornando à Câmara Federal, em 1915.
Recebera do sogro o primeiro impulso, mas logo adquiriu prestígio próprio. Ultrapassou o nível municipal e, com rapidez, tornou-se um dos mais importantes nomes da política estadual. Em 1917, candidata-se à presidência de Minas Gerais.
- O Presidente de Minas
Eleito, soube cercar-se de auxiliares que formavam uma verdadeira constelação de homens públicos, entre os quais se agigantou logo a figura de Raul Soares, de impressionante energia cívica e admirável bravura pessoal. Bernardes. Homem absolutamente firme na ação, queria governar o Estado pela técnica da vigilância, notabilizando-se pelo atendimento das reivindicações populares, dentro da linha de austeridade política e administrativa que impusera ao seu governo, cuidando da expansão econômica mineira. Foi tão fecunda a sua administração que logo se impôs à administração do País, que passara a contar nele um estadista, padrão novo de atividade incomum no trato da coisa pública e na defesa dos interesses nacionais. Por exemplo: durante seu governo, verificando que a redação do contrato que iria assinar com a Itabira Iron, que deveria tornar obrigatória a construção da siderúrgica, não fora adotado, ou seja, o verbo “ deverá”, que iria preceder à obrigação permanecia substituído na minuta inglesa pelo verbo “poderá”, que, não criando compromisso, transformava em facultativa a obrigação, Arthur Bernardes não só se recusou a assinar, como denunciou o acordo como antipatriótico e declarou-se nacionalista, defendendo o ponto de vista de que os contratos com empresas estrangeiras deveriam ser feitos, deixando manifestos os benefícios que trariam ao País.
- O Caminho
Morrera o presidente Rodrigues Alves, sem tomar posse e, de acordo com a Constituição de 1891, o vice, Delfim Moreira, convocou novas eleições.
O clima política era favorável a Rui Barbosa, Arthur Bernardes e Altino Arantes, tendo o líder do Estado de são Paulo, Álvaro de Carvalho, tentando tomar a iniciativa do lançamento da candidatura de Bernardes, que já contava com a maioria naquele Estado e em Minas Gerais. Porém , o presidente mineiro recusou-se a ser candidato. Considerava-se inexpiriente, julgava-se não ainda preparado para exercer a Presidência da República, preferindo concluir seu pleno administrativo à frente do governo de Minas.
Na sucessão de Epitácio Pessoa, o nome de Bernardes logo se impôs, em todos os Estados da União (apenas o Rio Grande do Sul protestava contra o processo de apresentação da candidatura de Bernardes, sem, entretanto, impugnar o seu nome), tendo, porém, o cargo de vice-presidente provocado uma das mais apaixonantes campanhas da História Política do Brasil.
Como disse o poeta: “a vida é cheia de alegrias e de tristezas”. Da fortaleza de ânimo com que sempre se conduziu diante das horas extremamente graves de sua existência, é exemplo empolgante o célebre episódio das cartas apócrifas ou, segundo a linguagem fixada com argúcia admirável pelo povo, cartas falsas. Ensaiando, por conta de terceiros, um golpe audacioso contra a candidatura de Bernardes à Presidência da República, um jornal de grande circulação no País publicou, como se fossem verdadeiras, as cartas atribuídas ao punho do presidente de Minas, nas quais havia alusões e referências sumamente desairosas às classes armadas e a um de seus chefes. Foi, como se diria, em recursos de guerra, tremenda “bomba” política, sob cujo terrível impacto poderia sucumbir a candidatura.
Negando, como negou, de pronto, a autoria do absurdo, natural seria que a palavra, emitida por quem podia emiti-la, seguro de sua honradez, acima de qualquer dúvida, fosse logo respeitada. Assim não aconteceu, apesar de as provas de falsidade serem terrivelmente esmagadoras: a origem suspeita na publicação dos papéis, a contradição de datas, o material usado, o fim infame a que se destinava a manobra, tudo demonstrava o estelionato político.
Mas Arthur Bernardes não se dispunha a ceder. Católico ao extremo, era, nas palavras de Neves Fontoura, “religioso como um espanhol da Idade Média”. E como acentuou Virgílio de Melo Franco: “Supunha-se e dizia aos seus amigos – um predestinado, um enviado de Deus, para desempenhar uma alta missão”. Místico, enérgico, vontade de ferro, Bernardes tinha fé. Acreditava na sua tarefa e sentia-se mártir. Devia prosseguir, vencer a infâmia, até que pudesse desincumbir-se de sua missão. Minas lhe daria apoio na pessoa de seu sucessor e amigo, Raul Soares. São Paulo, além de fiel à palavra dada, não pretendia demonstrar fraqueza, mudando de atitude por pressão dos adversários. De Epitácio Pessoa, uma só promessa: se Bernardes fosse eleito, o presidente, pessoalmente, lhe garantiria a posse. Mais não era preciso. Arthur Bernardes continuava candidato e, a 1º de março de 1922, elegeu-se o 12º Presidente da República.
Ainda sobre as cartas falsas, o próprio presidente Epitácio Pessoa percebeu que o presidente mineiro havia cometido um terrível erro ao aceitar uma comissão para, com auxílio de especialistas em grafologia, determinar a autenticidade ou não das cartas. Nela, seus inimigos eram maioria e o laudo a ser dado poderia condena-lo irremediavelmente.
Com efeito, a comissão afirmou que as cartas eram autênticas e que “entregava o caso ao julgamento do País”. Por outro lado, clássicos da grafologia, - o italiano Ottolenghi e o suíço Bischoff – declaravam falsas as cartas.
As dúvidas desfizeram-se a 24 de maio de 1922, quando inimigos de Bernardes foram ao cartório confessar a falsificação, dando abundantes provas de que falavam a verdade.
- Na Presidência da República
Bernardes venceu a batalha política sempre confiante em seu patriotismo, definido pela serenidade do seu caráter. A 15 de novembro de 1922, já sob o estado de sítio decretado pelo Congresso, assumia a Presidência da República.
Recrutou, entre os mais capazes, uma plêiade admirável de homens públicos para compor o seu gabinete. E foi, também, admirável neste ponto. Ninguém como ele sabia recrutar estadistas que afinassem com o seu pensamento em prol dos interesses do País.
Homens de independência moral, de elevação de caráter, de cultura por vezes deslumbradora, de experiência firme, adquirida no trato da coisa pública, formavam, no seu governo, grupo de primeira linha.
Preocupado com a sorte e o futuro de todos os brasileiros, de cujos esforços e trabalhos adviriam a grandeza, a paz e o enriquecimento da Pátria e do povo, Bernardes governava. A oposição freava-lhe, porém, os intentos. Sucediam-se pronunciamentos e levantes, gerando o descontentamento. Inconformados com o quadro político geral, muitos entendiam de culpar o seu governo pelas dificuldades que a todos atingiam. Bernardes governava a poder do estado de sítio permanente.
Ele tentou, mais de uma vez, a pacificação da política gaúcha – a mais exaltada – conseguindo-a, através do Pacto de Pedras Altas, em 1923. O que não impediu que, mais adiante, surgisse a Coluna Prestes, abalando o País. Promoveu, igualmente, uma reforma constitucional, visando a fortalecer o Poder Executivo.
O acadêmico Martins de Oliveira de inteligência rara, diz que a “glória do presidente Bernardes, como administrador, está inteiramente fixada na pertinácia com que procurou dirigir as finanças do País. Foi verdadeiramente o ecônomo exaltíssimo, o mordomo absolutamente fiel aos dinheiros do País. Apesar dos entraves tremendos de ordem política, derivados das agitações contínuas desabadas sobre o País, soube, com segurança, velar pelo tesouro nacional, e de tal maneira se conduziu nesse ponto que ainda hoje é lembrado com admiração. Basta se diga, a título de exemplo, que ocorre ainda a recordação do poder aquisitivo da moeda nacional em seu tempo. Uma nota de 500 mil réis não era encontradiça facilmente e dava a seu portador o sinal de abastança. Com ela faziam-se despesas tidas como extraordinárias ou incomuns”.
- O Patriotismo de Bernardes
“O presidente Bernardes tinha em altíssimo grau o sentimento de patriota. Não o patriotismo mais ou menos convencional de palavras, patriotismo de exaltação lírica, patriotismo que se diria de fachada. Seu amor à Pátria era a resultante de sincera e profunda convicção, posta, invariavelmente, à prova de decisões, de atitudes abertas, francas, irrevogáveis”, continua Martins de Oliveira, ao traçar o perfil moral de Bernardes.
“É com este patriotismo que Bernardes se apresenta na Câmara Federal, em 18 de junho de 1937, para defender as jazidas de minério nacionais, tendo feito, dentre outras afirmações, as seguintes: - “A Câmara tem diante de si a mais delicada questão que se lhe tem posto, desde que o Brasil se separou politicamente de Portugal. É a questão do nosso minério de ferro. É o contrato da Itabira Iron. É a concessão perigosa e gratuita a um sindicato estrangeiro do monopólio do mais rico comércio de todo o mundo...
“Em 1950, quando comentários políticos internacionais envolviam a Amazônia brasileira, pretendendo entrega-la aos interesses mundiais. Bernardes afirma na Câmara Federal: - ... O Instituto da Hiléia não é questão partidária, mas nacional. È o Brasil em causa... Aprovar o convênio é consumar o desmembramento da Amazônia, ferir a soberania brasileira e separar do Brasil mais de um terço do seu território”.
“O petróleo, base de riqueza e de esperanças para este País, encontrou em Bernardes o seu ardoroso defensor, já que ele antevia a importância daquela fonte de energia, adormecida no subsolo brasileiro, e assediada por interesses internacionais”.
- Um Homem de Fé
Educado nos Evangelhos desde o berço, tinha o presidente Bernardes, na sua formação cristã, um ponto alto, altíssimo, como disciplina de ação. Ele deixou um pequenino testamento espiritual, assim comentado, de modo grandioso, por Dom Oscar de Oliveira, Arcebispo Metropolitano de Mariana: - “Todo homem sensato tem consciência de suas falhas e limitações. O cristão, confiante na bondade de Deus, pede-lhe perdão, repousado por inteiro em sua infinita misericórdia. Aconselha-nos o Salmista “Provai e vede como o Senhor é bom; feliz quem nele põe sua esperança” (Salmo 33,9). Pois o presidente Bernardes deixou nos um breve testamento espiritual, que foram as últimas palavras, escritas de seu punho. Um testamento de fé e de humildade sinceras. Uma reflexão sobre o fim do homem, que é Deus, para quem devemos preferentemente viver... a quem devemos dar contas”. Reconhece-se não se ter dado mais a Deus, ao longo de seu viver. E, cônscio de que lhe resta um pequeno fio de vida, implora aos bons amigo que o ajudem com a caridade de suas orações.
“O que desce ao vale profundo da humildade recolhe com sabedoria todo o orvalho da graça de Deus. A misericórdia divina supera todos os pecados do homem arrependido. Se no errar patenteia a sua fragilidade, no reconhecer seus erros e arrepender-se deles, com leal propósito, o homem dignifica-se, eleva-se e enobrece”.
Deixemos que o próprio presidente Bernardes fale de sua fé e esperança cristãs. Na pequena estampa-lembrança de sua morte, anunciada ter sido piedosa, à primeira página vem a imagem de Cristo em agonia no Horto, à segunda, a efígie do presidente e à terceira, estas palavras suas, que nos sirvam, agora, de meditação e, sobretudo, de estímulo a mais afeiçoado culto de Deus: “O fim do homem é Deus, para o qual devemos preferentemente viver. Eu, porém, vivi mais para a Pátria, esquecendo-me d'Ele. A Ele devemos contas do uso que aqui fizemos da nossa vida, e eu a tive longa. Receoso de não poder resgatar minha falta no pouco tempo que me resta, apesar de sua infinita misericórdia, peço aos meus amigos, correligionários de boa vontade, que me ajudem a supri-la com sua prece”.
“Na lonjura do céu livre de nuvens, as estrelas palpitam mais luzentes. Quando densas nuvens de invídias e despeitos, de malquerenças e ódios, de mal-entendidos e calúnias desaparecem, valores e virtudes de proeminente personagem podem luzir melhor no céu a História. Assim é a estrela deste homem de fé, que foi o presidente Arthur da Silva Bernardes”.
Jornal da UFV – 11.8.1983
Arthur da Silva Bernardes: Um Estadista da República |
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